200 Anos da Costa-Nova
(Fascículo21)
Logo se seguiu a geração de vinte, importante grupo que fez a ponte com a geração anterior, e que dela recolheu o bulício, mas que alargou o leque de relacionamento, já que muitos que a ela pertenciam ou que a ela se juntavam, frequentavam, ou tinham terminado, os estudos universitários nas grandes cidades, trazendo com eles colegas ou simplesmente amigos, o que dava nova vida ao aglomerado urbano, gerando novas amizades, fortalecendo-se laços que perduravam vida fora, pois que construídos num ambiente de grande descontracção, tornavam-se mais fortes, porque mais verdadeiros. A todos se vinham juntar os funcionários públicos (autarquia, tribunais, notariado etc), gerando um círculo de vivência muito amplo, conferindo animação ao local, e conduzindo a novas pretensões e ideias, na exigência de um novo e mais adequado desenho urbano à Costa-Nova. Que nessa altura estava já, definitivamente incluída na rota sazonal da ocupação dos tempos de lazer, o que era importante, à medida que, definitiva e inexoravelmente, a actividade piscatória, na borda, diminuía de importância e dimensão[1].
Salientavam-se neste grupo: o Manel Grilo, o António Salgueiro, o Eduardo Craveiro, o Manuel Balseiro, o Frederico de Moura, o Amadeu Cachim, o Manuel Fonseca, os Ramalheiras, o Ângelo e o Paulo, o João Senos, os Ventura, João e Manuel Ventura, os «Piorros», o Mário Graça, o Victor Regala, e muitos, muitos!, outros.

Tinham estes rapazes, para lá do veraneio errante, o desboiçar encontro com alma gémea, na missão árdua, e não menos ardilosa, de barganhar, no bom sentido, um bom partido. Não só porque a presença das meninas das boas famílias não podia deixar de ser atracção natural, lógica, e presumível, mas porque para lá disso, era interessante pois que as ninfas, formosas umas, outras não tanto, eram contudo, de um modo geral, herdeiras das novas e já sólidas fortunas dos seus progenitores, condição que, se os olhos não viam, as bocas apregoavam. Elas procuravam um letrado; eles um bom amparo para começo de vida.
11.3- O Banho
Nos primeiros decénios de vinte o banho do mar para os mais novos tinha chamada madrugadora: por volta das seis da manhã, ou até antes, se a maré madrugava. Findo o banho era encargo do banheiro (ti Ricoca, Galante, Pardal e João Grande)[1] dar uma cheirinho de bagaço (às vezes uma zurrapa), aos banhistas, para que estes aquecessem Às nove horas começava o banho dos maiores, dos peraltas; a rapaziada, ainda ao tempo enfarpelados, casacos brancos cingidos e sapatos a condizer, lá ia em bandos, pela estradinha de tabuado que galgava os cerca de 600m que separavam a Lomba, do mar. Estradão que tinha sido colocado em 1904, na Lomba, em frente da mota. Ia-se à borda do mar, onde despegadas das famílias mas sempre sob olhar vigilante das progenitoras, lá se encontravam em galreio alegre, as moças, com a fralda revelada, sorrindo e gritos dando, predispostas a recolher as setas do Cupido, que não matam mas alvoroçam, agitam e até amaleitam. Que importa?! Se até o coração em momentos desses, botoca, parecendo soltar-se do peito ferido, e os olhos parecem querer oferecer o que o recato nega. Curtido o olhar era tempo de mudar a farpela por um fato de banho largueirão, com perna e alçado até bem cima, e de se achegar para perto do bando

Banhistas
feminino, onde havia vestidos claros caules simples - donde desabrocham botões de flores de casto perfume. Há corpos virgens - açucenas a entreabrir, para receberem o beijo cálido do sol. Rendas, Gazes, Sedas…caminham para o mar nesta hora magnífica, hora de ambrósia (…) para que aquela carne rósea seja beijada em rodilhões de espuma, assim o expressava um postal de 1925, em «O Ilhavense».
A praia virava jardim, transformada num açafate contendo açucenas a abrir para receber o beijo cálido do sol. Colos de carnes palpitantes que se erguem como lírios brancos. E ombros tão braços e olorosos que lembravam as alvas e embriagantes magnólias
Flores de terra dentro a mergulhar, envolvidas por rodilhões de espuma, davam entrada no mar, aos pulinhos e às risadas, enquanto os olhos gulosos da rapaziada mergulhavam no canistrel transbordante.
Terminado o banho, regressados à urbe, era hora da caldeirada. Ninguém melhor para tal finalidade do que a «ti Tibajouja», mulher sempre na dilairada em volta da trempe, a dar forma, cor e tempero, a uns peixes a nadar num caldo de unto açafrado. Ou para a raia de pitáu da Epifânea, onde a molhanca, uma papa apimentada do azeite avinagrado a ferver os fígados do peixe, a que o alho emprestava um odor penetrante, era vitualha capaz de dar quebranto à larica. A exigir sesta retemperadora em cadeirão de verga, a olhar os longes do Caramulo, antes de um passar pelas brasas, exercício útil para aqueles pagodeiros a quem sobrava dia e faltava noite.
11.4- Jornais Manuscritos
Mas se o estado do mar era ruim d’encantaria e não dava para ir ver sair a rede, o veraneante ainda podia ir até à «coroa» a ver se apanhava um borrelho, antes de se vir refastelar no palhinhas, a se entreter, como era moda, na feitura de jornais manuscritos («O Búzio», «O Berbigão»). Folhas manuscritas de chuchadeira, lacónicas, chistosas, de período curto, cheias de chalaça e arrelia, ou de novidades actualizadas com as últimas do dia (ou da noite anterior), e que passando de mão em mão iam servindo de motivo de conversa aos magotes de circunstantes achegados, alertados pelos risos ou comentários badalados à boa maneira local: em desusada festa, alegre e com espalhafatosa sonoridade, numa alarve e tonitruante vozearia.

11.5- O Bico e a Biarritz
De qualquer modo lá pelas quatro horas era tempo de ir ao Bico, - essa clara banheira de água salgada[2] -

O «Bico»
11.6- Passeio à «Bruxa»
Ia-se ao banho da ria. Enquanto alguns veraneantes de chapéu e guarda sol aberto se passeavam pela borda de água, de polainas e paletó envergados, a malta nova, mais atrevida, procurava com afã embarcar nos dinghies as beldades para uma ida á bruxa, à vela ou a remos.

Pela tarde era o regresso ainda a tempo de dar um salto à beira-mar para assistir à saída do último arrasto.
Aí a azáfama era grande; no terceiro lanço o saco negro parecia uma baleia encalhada de onde brotavam miríades de reflexos do carapau estreluzindo em estertor, presos no seu interior. Junto aos barracões separava-se o peixe para ser despachado. Os almocreves aguardavam nervosos, ansiosos por apanhar a barca do «ti Ameixa» para, do lado de lá, carregarem os seus burricos com os jigos do peixe prenhes e, toque toque, a tropear velozes, rumavam a «caminhos de Cristo», trepando a esses montes lá para cima, arrebentadinhos em perseguição da alva, levando a sardinha taluda, ainda vivinha, lá para o interior aonde chegará na manhã seguinte, ainda de olho transparente.
[2] Saguncho & Tainha
[1] A partir de 1912 com o aparecimento dos «cercos americanos», a Xávega começou a desaparecer do litoral português.
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