quinta-feira, 19 de junho de 2008








200 Anos da Costa-Nova


(Fascículo 22)

12- EVOLUÇÃO URBANA 1940-1970


12.1- Hotel e Casino, Beira-Ria

Em Julho de 1947 será inaugurado um excelente Hotel, instalado em novo edifício, que veio substituir o antigo Salão Rafeiro[1], e que tinha ao lado um Café-Casino; ambos, fruto do espírito empreendedor de António Félix. Tratou-se de uma unidade hoteleira que ombreava com o que de melhor existia na região, soberanamente localizada, gozando de uma excelente vista, profunda, larga e abrangente sobre a ria, dotada de um serviço de que se disse, na altura, ser verdadeiramente exemplar, para a época. Dava acesso ao hotel um espaçoso hall que funcionava como sala de estar e convívio, ligado a uma sóbria mas elegante e ampla sala de refeições. Do hall saía uma larga escadaria muito bem lançada, em que o granito fazia de corrimão, que dava acesso aos 30 quartos, de que retenho uma vaga ideia de serem muito bem decorados. Ao lado do Hotel, e propriedade do mesmo António Félix (que abriria também na Barra o belo e esplendorosamente decorado, Café Farol), instalou-se o Café-Casino Beira Ria, um bonito, amplo, airoso e muito confortável «café concerto» dos anos 50.
No seu interior, sobre a zona de serviço de balcão desenvolvia-se um piso intermédio sobre-elevado, que era o local de acolhimento das várias orquestras da época, com os seus elementos trajados a rigor, metidos em garridas, rebarbativas, e exóticas vestimentas de lantejoulas, a soprarem em brilhante, polido e estrondoso instrumental.
O referido café virou ponto de encontro das novas elites; o movimento era intenso e o local viria a tornar-se o centro de diversão por excelência da praia nocturna, rafinè, dos fins dos anos 50.
Havia no ambiente um certo charme de gente fina, de luva branca: uma nova burguesia que se pretendia afirmar distinta, adoptando os estereótipos em voga para assim se identificar. Nas mesas o vocabulário era cuidadoso, mas de circunstância. Os clientes bem aperaltados, embora já um pouco leves no trajar, à inglesa, subiam ao primeiro andar para uma batidela de cartas. Enquanto isso, as matriarcas com os penteados de rodilhas, metidas em vestidos já graciosamente decotados, abanavam os leques para fazer frente aos caloraços, e matavam o tempo bebericando um chá à espera do consorte.
A juventude exibia os seus vestidos camiseiros, de godé, nylons ululantes, meia de seda realçando a curvatura da perna que se vinha calçar no sapatinho preto, raso. Grande parte do rapazio trajava de branco: calça, camisa e sapato.
No primeiro piso do Casino, pretendeu-se, aí, instalar um Casino de jogo. Foram feitas diversas dèmarches para obter uma licença, tendo em vista criar uma zona de jogo, alternativa às de Espinho e ou Figueira da Foz. Não foi, contudo, obtida a necessária autorização, e rapidamente o local foi usado para levar a cabo bailes de estação, com o que se pretendeu recuperar a belle époque dos anos de vinte, organizando para o efeito vários concursos: da mais bela da praia, do vestido de chita, da estação das vindimas etc. etc.


12.2- A presença dos «Matolas»

Ao esplendor desta sala, sucedeu a decadência da Assembleia Arrais Ançã, que passou a ser pousio dos veraneantes bairradinos - os matolas - que vinham a banhos em Outubro, depois de terminadas as vindimas, e deixada arrumada a adega com os pipos encanteirados, posto o mosto a curar, e as alfaias encostadas. A Costa-Nova perdia espavento burguês, ganhando, contudo, encanto rural, hábitos e tiques da gente do interior, com uma vida mais calma menos esfusiante, menos turbulenta. Estas gentes que vinham para a praia tomar banho, de sol e mar - e que continuavam a fazê-lo, ainda, completamente vestidas dos pés à cabeça –vinham para descansar, mantendo, contudo, os hábitos e costumes que lhes eram peculiares: faziam a vida em grupo, à volta da mesa, no refastelo com as boas vitualhas, que cada um primava trazer das suas abastadas casas de lavoura, do mais e do melhor, fazendo gala de as fazer chegar à mesa com grande franqueza, que se estendia aos circundantes, amigos ou simples conhecidos da hora.
A festa, essa, era feita pela rapaziada mais nova que acorria aos bailaricos de fim de semana, outonais, com a subida esperança de encontrar uma moçoila de carnes rijas e fartas, arejada e viçosa, tentando perceber a dimensão do dote da catrapiscada, muito especialmente quando chegada a hora de contabilizar os pés de cepas ou cântaros do belo vinho armazenados, de que elas com matreirice sugeriam ser herdeiras. A bailação era de pega, corre e leva, sem a modernidade burguesa, mais cantiga de roda, menos sensual, embora exigindo muito mais fôlego e muito mais arcaboiço para conduzir nos braços verdadeiros bulldozers, que embalados, difícil era parar, ainda que muito apertados fossem os travões.


12.3- O primeiro «biquini» na Costa-Nova

Zelava nos anos cinquenta pelos bons costumes na praia, o cabo do mar, Luís.


O cabo- do- mar «Luís»

Era vê-lo pelas onze horas a chegar à Biarritz, montado na bicicleta, pachorrento e gorducho, quase roliço, fardado a rigor, a suar as estopinhas.
Atracado na Biarritz ia colocar-se no alto da duna a observar a juventude no banho da manhã (de tarde às cinco era no mar), à procura de algum(a) que mais atrevido ousasse furar os regulamentos da moral e bons costumes que o regime fazia questão de ver, bem respeitados e bem praticados, em público. Que exigiam, em nome da dita defesa, a que as raparigas fossem obrigadas ao uso de fato de banho de uma só peça, onde uma saiinha defendia dos olhares gulosos as partes intimas entre coxas, e que em cima, um decote justo sustido pelos ombros, tornava pouco permissível a olhares conspícuos os alvos peitos que desabrochavam. Naquele tempo ainda não era chegada a hora das fausse-maigres, e as mulheres «queriam-se» como a sardinha: pequeninas, cheiinhas e redondinhas. A rapaziada era obrigada a usar calção largueirão, com perna de três dedos a descer pela coxa, e camisola interior que lhes tapava o peito e ombros, assim inibindo a prosápia de mostrar a sua parecença com um qualquer lutador greco- romano.

Chupa-Chupa e Bolacha Americana


E quando um - ou uma - mais atrevido(a) ousava desafiar o regulamento, o que era vulgar naqueles que de barco desembarcavam na praia e assim se faziam desentendidos, lá vinha o cabo, de botifarras, a correr ofegante, aos baldões pela areia, apito na boca fazendo num escarcéu, chanfalho a zangalhar na cinta, para cortar, célere, o abuso do desaforado(a) banhista. Atrás dele, no intuito de amenizar os humores do cabo, lá ia a Zózó, moçoila muito bem composta, filha do banheiro Abreu, que com o Portugal e o Maaia, eram os banheiros de então.






Banheiro«Abreu»

Com uma ou outra brejeirice a Zózo lá acalmava o representante da autoridade, que acabava perdoando ao atrevido. Em 1956, a rapaziada da Costa-Nova foi alvoroçada por uma noticia que se propagou como o vento: umas franciùs estavam no mar a tomar banho, com um simples e reduzido biquini, a tapar as suas vergonhas (?!). Houve uns que pensaram que aquilo era uma patranha, tipo da baleia apregoada aos matolas pela imparável dupla do Benjamim & Pitato, e deixaram-se ficar. Outros, crédulos, não esperaram mais, e a corta mato (Lomba) peregrinaram para a borda para assistir a tal espectáculo. Sentados na areia, pareciam cães açulados à porta dum talho: língua de fora numa cara alorpada, olhos afusilados que pareciam querer saltar das órbitas para irem aterrar nos corpos abrazados das turistas. O espectáculo do deslumbramento patético, de uma papalvice alarve não poderia ser maior, nem mais descarado. Na Lomba que dava acesso à borda, alguns mais atrevidotes logo desombraram as inestéticas e redutoras camisolas interiores, parolas, ao tempo que comentavam em galhofice imprópria para indígena, mas inofensiva para as «françiùs», o que lhes era permitido ver. As francesas - essas! - sem se importarem - ou talvez até apreciando o impacto que os seus belos corpos produziam em tão especada assistência -, lá continuaram com a banhoca .Que iria acabar, breve.
Pois que o pior estava para acontecer. Não se sabe porque carga d’água, uma delatora - quem sabe se por inveja ou por acinte zanaga - depois de certamente se benzer três vezes, e exclamar que o mundo estava perdido, achou ser sua missão cristã, defender a rapaziada da perdição. E dá de mandar aviso ao cabo Luís, que acorreu afogueado ao chamamento, deixando a «mula», a bicicleta, esparrinhada na areia, e solícito cumpridor da ordem, veio, lépido, interromper o banho das divas. Por entre gritos, assobiadelas, uàhs ! e outros impropérios, avançados pela rapaziada em farto alarido, desgostosa pela interrupção da visão onírica das «virgens» no banho.
O insólito da cena sobreveio quando o cabo Luís quis falar, e pedir às demoiselles para taparem as mamocas e os cùses, e elas espantadas a inquirir:
- Quoi? Quoi?
O pobre «cabo de ordens» bem se esforçava:
- nem quá nem meio quá. A pataria está lá no Sul, no Ferreira da Costa. Vá tapem-se… senão….E dá de fazer com os dedos cruzados o sinal universal de ver o sol aos quadradinhos.
Para o rapazio tinha chegado o momento da vingança. Aquilo não se perdoava, mesmo que a «autoridade» fosse o cabo Luís.
Que «por cause» veio, nesse dia, com a mula aos ombros, pois que os pneus da dita apareceram mais vazios que a ria em dia de maré viva, em baixa-mar.

O banheiro «MAAIA»
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[1] Neste Salão, a firma Vizinhos Irmãos e filhos, deu, em 39, as primeiras sessões de sonoro








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