segunda-feira, 23 de junho de 2008




200 Anos da Costa-Nova


(fascículo 24)

13.2- Os Borda-d’água

A discussão em volta do círculo onde se fazia o repasto: - porque aquela gente das Companhas não se sabia fazer ouvir baixo, fosse porque quem fala alto tem sempre razão, fosse com medo que o marulhar do mar lhe comesse os sons e lhe «abortasse» a ordem, versava não só o azar ou a sorte da pescaria do dia, as peripécias do lanço, mas e também, as previsões sobre o tempo que faria «amanhã». O pescador sabia ler o tempo e ver nos sinais que vão acontecendo, deles retirando as conclusões para o que o espera, amanhã, em nova arremetida. É um saber adquirido - e transmitido - de geração em geração, passada de boca em boca, de pais para filhos, expresso em rimas a preceito.
Absorto, perscrutando insistentemente o mar e o céu, barrete enfiado na cabeça, escupindo a «sarreta» que lhe unguenta a boca, atento na «lua trovejada» augoirando que «trinta dias será molhada», espera que não venha com vento pois, é certo, «com vento do leste não dá nada que preste». A lua e as suas posições servem-lhe para calcular a prenhez da companheira, mas e também lhe indiciam o estado do mar: - «lua fraca»… «o tempo irá mudar», pensa… e logo inspira a cachimbada, sorrindo-se do tempo adivinhado.
Mas se o «vento norte é rijão, chuva virá à mão»; se for suão, «de inverno sim, de verão não».
Se ao pôr do sol estiver «vermelho no mar»… certo que haverá «sol de rachar».
Quando lá longe vê uma ave que se aproxima e lhe desperta a atenção, logo siloqueia: «em terra a gaivota... é que o temporal a enxota»...; mas se descortina «estrelas a brilhar», então, «marinheiro, vai para o mar». Se «a manhã vem com arco»… «mal vai o barco» e se há «miragem que espante»… teremos… «vento de levante». À noite «trovão solto, no céu reboa»… «violento temporal, nos apregoa»
Dá de «emborcar» mais um copo, mas com tino, pois «quando ao pescador, dão de beber», «ou já está moído, ou o vão moer».
Eis que a «aurora surge rubra»… é… «vento ou chuva»…; se «primeiro chuva, e depois vento», «à cautela mete dentro»; mas se o «vento vem antes da chuva»… «deixa andar que não tem dúvida»
Interrompe o linguajar para olhar o sopro do vento pois sabe que «volta direita, vem satisfeita»… ao passo que… «volta de cão traz furacão». Não tem muita importância, pois «sardinha de Abril, pega-lhe no rabo, deixa-a ir» e mesmo «não é boa a solha que o pão não molha».
«O vento é de rachar»… aguarda, pois «depressa deve calar».
Dia para ele é aquele do «rosado sol-posto, cariz bem disposto», bem diferente da «vermelha alvorada… que vem mal encarada», pois que «lua à tardinha, com seu anel», «dá chuva à noite, ou vento a granel»; é tempo de amarrar o barco e ir-se abrigar, que «barco amarrado não ganha frete».
Se há «arco-íris ao anoitecer», certo é termos «bom dia ao amanhecer»; «arco-íris ao meio-dia», é certo,dar «chuva todo o dia».
Tudo ao pescador/Arrais serve para ajudar na previsão: o marulhar da onda, o correrio das nuvens, o seu esfarrapar ou o seu engrossamento; os cinzentos claros ou escuros das massas de algodão indicam-lhe as probabilidades do lanço de amanhã. O Arrais é o guardador do rebanho. Inventar palavras para o descrever(?!): para quê se já foram escritas as mais belas, por Maia Alcoforado [1], vertidas com o coração, pois, quando falava do mar, Alcoforado sentia o cachoar enraivecido das suas águas batendo contra a muralha do peito, aniquilando-lhe as saudades.
Do «Aarrais» disse:


Arrais Ançã perscrutando o mar



“Barrete negro, da cor dos aguaceiros, encafuado na cabeça até à encapeladura das orelhas, de borla caída a um lado sobre o ombro, a pendular sorumbática despretensiosa ironia…






O Arrais (aut.João Carlos)

Cachimbo à amurada golfejando novelos de fumo em espalhafatosas cabriolas, que até pareciam de carvão a arder na fornalha enorme dum navio de longo curso.
E a embrulhar-lhe o peito, mais rijo que um cepo, o blusão de flanela salpicado de cores, onde arrecada a onça mail’o cachimbo, os lumes e o lenço d’Alcobaça - quase tão grande como as bandeiras do mariato”…

Triste é o dia em que o «Arrais» vê chegar o bando de Maçaricos, pois é sinal dos céus a indicar que a faina está acabada, que o Inverno está a chegar. Tempo pobre, de privações, de puxar o xávega para o cimo das dunas, recolher os bois, e safar o cordame. E tempo para se agarrar ao remo do botirão, amanhando-se na ria a pescar uns «xarabanecos» com que vai matando a fome aos seus. Tempo de botar faladura na taberna, catando as agruras daquela vida «estipurada» onde um «home bom… na medra»; vida de perigo, vida sofrida, de dor e raiva, onde se praticaram actos de «demência» heróica que imortalizaram esses seres «de forças hercúleas, figuras talhadas no cerne de pinheiro bravo de onde são feitas as cavernas do seu meia-lua». «O ílhavo» da beira-mar que escreveu as páginas mais brilhantes dessa Faina, que a alguns, hoje, parece «A Menor», mas que - bem pelo contrário!!! - por ser tão grande, não caberia sequer nas laudas da Maior.
Como diria o Ançã: «fraldocos»!...

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[1] ALCOFORADO, Maia in «Ílhavo Terra Maruja»




























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