terça-feira, 24 de junho de 2008




200 anos da Costa-Nova
(Fascículo 25)
13.3 - O Falar

Todas as comunidades piscatórias da beira-mar tinham um característico e singular modo - e jeito - no falar, usando uma terminologia muito própria, com dizeres familiares, simples e sadios (bem) adaptados às circunstâncias, por vezes ornados de pitosa brejeirice num linguarejar fácil, pleno de vocábulos «inquinados» pela ausência de outra instrução, que não a tida no mourejar de uma vida de labuta.
Procuramos recordar alguns deles numa recriada conversa que duas pescadeiras, a Rosa do Arnal e a Ti Maria «do Calatró» tiveram, quando no esfalfo da lideira, de canastra à cabeça, de manhãzinha, vinham em passo lesto vender à vila.
A Estrada da Mota

-Ah!, chopa,… Maria!… «atão» «disque» c’a Josefa do Tarinca lá de cima, a «fidalgota», deu pra «contribar» o casório da sua Luísa com o «Toino» Labareda?... aquilo é que m’a saiu uma «mancatufe»…
- Assim o dizes, rapariga… «Canté» (?!): - o que c’ria a «inchada»?!… o rapaz a modos não é nada «cible», nem é nada «calamantrão», muito menos um «simpras», pois inté nem parece nada um «caminé botadinho à boa parte»… Não senhor, «crendas» lá ver o «estendal» que o pai do Toino fez ; «apracia banéga ao rossaló»… o estipôr.
- S’ta p’rece…o coitado do rapaz não é um «mal catufo»… «nem ó vida!»… mulher; e «inté» dizem que tem umas «ecolomias»
- Tens rezão cachopa… O «Toino» Lav’reda não é nada «xana» n’a senhor ; c’a o meu Zé, Deus lhe dê «voa biaje» - venza-o Cristo e S.Savastião, trê abés e um pai nosso - diz, inté!, q’é um bom «reçoeiro», nada como «oitros zamparilhas» que não maneiam o cú no safar da rede ; o arrais Tomé da catralga já o embarcou de «camboeiro» e ele «astreveu-se na t’refa». A Luísa que parece uma «tísica» - deus me perdoe!,… em nome do Pai, Filho Esp’rito Santo… - inté ia «vem…vem». Quisera-o pr’á minha, que «vem» o merecia… que eu fazia uma festa de «arromba» com «zabumba» e tudo…

- «Cal-te óspois» aí... vai mulher…, andas desocupada dessa cabeça... deixa a cachopa q’ela chegada a hora tem muito quem lhe meta as três «cavernas» adentro… «inté p’reces augada».
- Tendas razão - que ao «labaró» é que as coisas se fazem «d’reitas»… e ele anda p’ra aí tanto «mancatrefe», tantos «langões»… nosso senhor, «libre-nos» S. Bartolomeu e as Alminhas da Toira.
- É assim mesmo, anda p’aí a «inquisitar», ca qualquer dia, um «zamparilho» apanha-a de costas, e vai com’a lâmpada : só «c’o viés» de ficar limpa como a Igreja do Prior Zé, deixa-a de barriga maior que a sardinha da «desoba» ; anda aí tanto «pixano» e ela parece bem «augada» do «ca tu sabes»… É «simpras»,… mas gulosa.
- … «Mogadinha de mim» se isso «assuceder»… é uma «restrabulha»… «astrevesse-se» algum, c’a o pai faz um «serrafaçal» que levava tudo na frente… Olha c’a «fúfia» da Zefa lá de cima, quando o Pª Morgado lha disse c’o rapaz não era um «probezinho», «quinté» tinha uma chincha, a «merdrosa arrespondeu-lhe» “Olhe senhor abade, «inté o TI ESSE», tem uma chincha”… «asfazer» pouco dos nossos homes, a «fúfia»! E não lhe deu mais «corrume» nenhum… c’o abade desandou inxerido com o frieldade da Zefa.
- Olha sabas o que te digo : - A Zefa é uma «opiniática» mal “cosida”... preceves?
- Ah mulher, cal’te sua desbocada : - «u c’astás» tu p’ra aí a dizer…
- É o que lhe digo Ti Maria, se fosse como aqui a cachopa “c’a té tenho «calo» dos trimbaldes do meu Zé, de tanto me vaterem nas «náudegas»”…
- Ah! mulher de «labishomme» q’uessas coisas n’a se apregoam com’a sardinha c’aí levas… depois, s’é fraca - dizem que é «ogalho» a ti…
- Conversas... sabe o «ca penso»?! ; a Luisinha na tinha era remada pró Toino, «q’ué cá dos noissos», e quando chegada a hora de meter o remo ao «escalamão», «aborregava». E o rapaz c’a dizem ser «píxaro» e «pediqueiro» de saias, inda ficava a ver navios… «esmorcegava-se toido».
- «Cal-te aí…» oh! alma penada, não digas isso... que «t’a podem oibir» raios… de estrafego!… olha vamos é «avusacar» aqui um bocado, aproveitar para «escofenar» o peixe, «c’a óspois» na «benda» é uma «fona» e a «gadagem» d’ibalho diz c’andámos ao «mal mainço» por aí, «inbez» de vir a «d’reito»…
- Olha, «cal’te» que vem ali a Josefa…
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- Boas tardes Sra. Josefa…
- sorri prazenteira a Ti Maria, chegada à faladura com a Zefa … - «Nóis» a falar dos santos e eles «oprecem». «Vons olhos a beijam»… a sua Luisinha?... cada vez mais bonita… a santa!… a Srª do Pranto lhe dê um fidalgo da sua igualha, c’a bem «m’rece» a «coitadinha» : Olhe Srª Zefa, quer sardinha da nossa, «bibinha a vrilhar» como um «buzelicum» - olhe «c’inda ri» - viemos numa «corriola» p’rà trazer fresquinha «com’ àuga»…
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Eram assim estas mulheres d’Ìlhavo. Vivas, despachadas e asseadas; umas «moironas de afadigação» p’ra chegarem aos primeiros lanços do «lusco fusco», mulheres com o seu «creto», tementes a Deus e aos Santos, humildes e honradas; «faladeiras». Delas se dizia: “morrendas se não falendas”


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