quarta-feira, 21 de maio de 2008






200 ANOS DA COSTA-NOVA
(Fascículo12)

9-RETRATO (Final século XIX)


Em meados do século não havia, ainda então, qualquer arruamento digno desse nome, que desse um carácter urbano ao aglomerado de construções. Existia tão só um simples carreiro que contornava a enseada, e que era um pouco mais consistente que os areais que o rodeavam, a se interpor entre os palheiros das tendas e para veraneantes, e a ria. Carreiro que nas marés vivas era totalmente submergido, mas que apesar disso definia, ainda que toscamente, uma linha de crescimento, mais ou respeitada, pois era ao longo dele que as habitações se iam alinhando.
Quando chegada a lua plena, a água roçava e até batia nos degraus dos palheiros, que empoleirados na duna se julgavam longe da invasão da maré. Nivelado o trilho, como as habitações tivessem sido construídos em cima das lombas do areal, ao sabor da forma destas, deu-se que uns estariam mais abaixo, e outros mais acima. Daí a necessidade de se construírem terraços -que ainda hoje perduram! - a diferentes níveis, com a finalidade de dar acesso, dos palheiros ao caminho público.

Em 1873, João Maria Garcia abriria uma sala de teatro para entretenimento dos veraneantes, o que no tempo estava muito em moda[1]. Na sessão de apresentação toda a high life da praia compareceu, fazendo deste acto o primeiro dos muitos que se iriam seguir, na intenção de criar uma motivação que excedesse o simples ócio, transformando estas zonas de lazer em locais privilegiados para a promoção das preocupações culturais -e recreativas – que começavam a emergir ao tempo.

Muitos outros botequins foram abrindo as suas portas. Debruçados sobre a laguna, serviam de locais por onde se ocupava o lazer no intervalo das banhocas,a mirar as deambulações ronceiras dos moliceiros que enfeitados com as cores vivas dos seus ramalhetes, deslizavam sobre as águas da ria, que de tão mansas, reflectiam, qual espelho, a paleta de cores que exibiam no seu costado ,ao olhar do observador fascinado. E a voz de comando do «vai à forcada»,dada pelo arrais ao moço, parecia ganhar eco no ar leve, do dia reslumbrante.


8-2 –Capela S.Pedro


Enquanto uns se divertiam, outros davam expressão ao sentimento de fé, muito intenso na classe piscatória, necessário para submissão a destino tão agro. Por isso o pescador tinha uma prática, quase diária, nesse exercício devoto.
Assim que varavam e se alapavam no novo pousio de pesca, a sua primeira preocupação, depois de instalados, era a da construção de uma pequena Capela de madeira, feita em tabuado surripiado nas redondezas, e coberta a caniço. Palheiro acachapado, tão exíguo que mais parecia apropriado para lá meter o «Menino e a Família» , do que albergue para S.Pedro e seus devotos, que o eram toda aquela gente das Companhas; e logo mais uns achegados, convidados pelo hausto da maresia a evocar protecção e boas pescarias para o grupo. Na Costa-Nova terá sido o frade «jerónimo», Frei Pachão, quem, em 1822, ergueu uma dessas capelinhas,





Srª Saúde 1907


que embora tosca, serviria para deixar o santinho e os crentes ao abrigo do fustigo da nortada , o suficiente para emblecar aquela gente no cascabulho das palavras da fé ditadas pelas matinas em sermonário diário, tonitruante e ameaçador, para lembrar que a protecção deveria ter tornas adequadas, na largueza do dízimo. Ainda o sol se não erguera e já a sineta bimbalhava, estridula, a chamada à oração de toda a Companha, que em cordão humano marcava presença, a fortalecer o lume vivo da crença..
Só mais tarde, em 28 de Outubro de 1889, foi decidido construir no areal, ali logo abaixo da «Lomba» ,em situação estrategicamente escolhida para servir pescadores e veraneantes ,«a capelinha branca» de culto à Nª. Sr.ª da Saúde ,com compostura e dimensão, suficientes, para o tagaté à alma, em serena cruzada evangélica..




Pedido para alargamento Capela da Srª da Saúde(1899)


No sentido nascente –poente, já o referimos anteriormente, não havia, até ao séc.XX, qualquer arruamento digno desse nome. Pretendendo aceder à corcova da lomba, para de lá se observar a paisagem, era preciso subir ladeiros, pequenas e tortuosas congostas de chão de areia lassa, sujas pelo escasso, cheirosas do pez vertido, enfeitadas por peixotas dos cações ou de raias estripadas postas a torrarem ao sol, para gáudio de um ou outro pardalito que nelas depenicavam, esfomeados e glutões.
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[1] Almeida Garret já os referia em 1843,a trabalharem no areal da Póvoa do Varzim. AMORIM ,Sandra in «Vencer o mar;ganhar a terra» ed. Câmara Municipal da Póvoa do Varzim.

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