domingo, 18 de maio de 2008












200 ANOS DA COSTA-NOVA
(fascículo 11)




8- A PRESENÇA DE JOSÉ ESTÊVÃO

José Estêvão tinha uma predilecção muito especial por esta praia para onde vinha descansar da sua tumultuosa actividade parlamentar. E era no recolhimento do seu quarto que sentia entrar a brisa fresca do norte e lhe chegava o sussurro do mar que rebentava e espraiava de encontro às dunas da costa[1] ; aí recuperava forças ânimo, e lastro, para a palavra: - fluente, corajosa, firme e torrencial de tribuno insigne – o maior! - da história pátria. Que hoje ainda, o recorda, enaltece e contempla.
José Estêvão passava aqui, regularmente, largas temporadas na companhia de sua esposa, D. Rita Moura Miranda, para quem teria comprado (1840) o palheiro que fora pertença do comerciante Manuel Marinho, mercantil de sardinha, rico proprietário que em Aveiro tinha uma outra mansão, mais tarde pertencente aos «Rebochos».




O Tribuno tinha o hábito de receber no seu palheiro,no qual depois de o adquirir introduzira umas simples melhorias, muitos dos seus amigos, de entre eles figuras gradas da política e das letras, locais e nacionais.
Seroavam habitualmente e familiarmente consigo, os Mourões, os Alcoforados ,os Visconde de Almeidinha ,o Arcebispo Bilhano , o José Ferreira, os Pinto Basto, os Regalas e muitos outros. Vindos de Lisboa para o visitar, estiveram na sua casa muitos dos seus amigos e correligionários: Mendes Leite, Freitas de Oliveira, Sebastião Lima,Agostinho Pinheiro, que por aqui demoraram para com desfrutarem com José Estevão das habituais visitas diárias às companhas da xávega ,cujos arrais o politico conhecia pelos nomes próprios(ou alcunhas),e a quem, tantas vezes, concederia auxilio. Fosse simples amparo humano nos momentos de infortúnio -que nesta labuta eram vulgares -, fosse político, intercedendo junto da Governo e até da Coroa, para obter os costumados privilégios que habitualmente eram choramingados -e concedidos -a esta gente ; ou ajuda como brilhante advogado, não desdenhando envergar a toga e ir à barra dos tribunais com a sua brilhante oratória, defender estas humildes gentes, sempre que se sentiam espoliadas dos seus direitos.


Frequentemente o tribuno embarcava para as terras da Joana Maluca de quem era muito próximo, para a visitar.Com ele levava os seus convidados, que Joana recebia, com muita apreço e a alegria de uma boa, esmerada e briosa anfitriã. Singular mulher, de forte arcabouço, faladura varonil desembaraçada, muito expressiva, verdadeira matriarca da Gafanha da Encarnação, Joana fazia gala em bem receber o político e seus amigos, organizando para o efeito opíparas jantaradas. Findas as vitualhas, era costume refastelarem-se nas espreguiçadeiras colocadas sob o vasto telheiro da quintarola dos Gramata, entretidos na conversa enquanto saboreavam longos charutos de que Joana era, estimável e insaciável, fumadora. Chalaceavam, ao tempo em que deixavam correr o olhar contemplando a ria a agasalhar-se num imenso cobertor de neblina rasteira, enquanto o sol ,enorme disco de fogo, se esgueirava em fim de tarde por detrás dos palheirinhos, na outra banda, desenhando-lhes os contornos no vermelhão afogueado que ia tingindo o céu. E logo surgia a lua por detrás das serranias a esparramar o prateado sobre a ria, reflectido nas tainhas que em saltos encabritados se atiravam, imolando-se, contra os saltadores. Estas armadilhas montadas pelos pescadores ribeirinhos tinham a forma de caracol, para onde as taínhas entravam ,mas já não saíam.





Findo o dia, era tempo de desmoirar a barca para, bem dispostos e faladores, bem aconchegados, voltarem à Costa-Nova, para se recolherem ao conforto do palheiro do anfitrião, em retempero das fadigas da jorna gastronómica.

Destas presenças e andanças, destas incursões marialvas, faziam de «búzio» os jornais e revistas da época, locais e nacionais. A Costa-Nova começaria em meados do séc. XIX a ter estatuto, sendo referenciada pelo charme e autenticidade, e rusticidade do perfil humano que lhe dava vida, elogiada pela bondade da sua natureza geográfica encravada entre uma ria povoada por centenas de embarcações com longos pentes amarrados á borda, a catá-la, à procura de moliço, e o mar. Onde na borda os bois investiam por ele adentro, penetrando-o até a água lhes fustigar o ventre, participando activamente na faina piscatória a conferir um tom de ruralidade ao areal inerte.
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[1] Magalhães ,Luís in «José Estêvão- Discursos Parlamentares», ed. Câmara Municipal de Aveiro

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