domingo, 15 de junho de 2008





200 Anos da Costa-Nova



(Fascículo21)

11.2- Geração de vinte

Logo se seguiu a geração de vinte, importante grupo que fez a ponte com a geração anterior, e que dela recolheu o bulício, mas que alargou o leque de relacionamento, já que muitos que a ela pertenciam ou que a ela se juntavam, frequentavam, ou tinham terminado, os estudos universitários nas grandes cidades, trazendo com eles colegas ou simplesmente amigos, o que dava nova vida ao aglomerado urbano, gerando novas amizades, fortalecendo-se laços que perduravam vida fora, pois que construídos num ambiente de grande descontracção, tornavam-se mais fortes, porque mais verdadeiros. A todos se vinham juntar os funcionários públicos (autarquia, tribunais, notariado etc), gerando um círculo de vivência muito amplo, conferindo animação ao local, e conduzindo a novas pretensões e ideias, na exigência de um novo e mais adequado desenho urbano à Costa-Nova. Que nessa altura estava já, definitivamente incluída na rota sazonal da ocupação dos tempos de lazer, o que era importante, à medida que, definitiva e inexoravelmente, a actividade piscatória, na borda, diminuía de importância e dimensão[1].
Salientavam-se neste grupo: o Manel Grilo, o António Salgueiro, o Eduardo Craveiro, o Manuel Balseiro, o Frederico de Moura, o Amadeu Cachim, o Manuel Fonseca, os Ramalheiras, o Ângelo e o Paulo, o João Senos, os Ventura, João e Manuel Ventura, os «Piorros», o Mário Graça, o Victor Regala, e muitos, muitos!, outros.

Grupo da geração de 30


Tinham estes rapazes, para lá do veraneio errante, o desboiçar encontro com alma gémea, na missão árdua, e não menos ardilosa, de barganhar, no bom sentido, um bom partido. Não só porque a presença das meninas das boas famílias não podia deixar de ser atracção natural, lógica, e presumível, mas porque para lá disso, era interessante pois que as ninfas, formosas umas, outras não tanto, eram contudo, de um modo geral, herdeiras das novas e já sólidas fortunas dos seus progenitores, condição que, se os olhos não viam, as bocas apregoavam. Elas procuravam um letrado; eles um bom amparo para começo de vida.


11.3- O Banho

Nos primeiros decénios de vinte o banho do mar para os mais novos tinha chamada madrugadora: por volta das seis da manhã, ou até antes, se a maré madrugava. Findo o banho era encargo do banheiro (ti Ricoca, Galante, Pardal e João Grande)[1] dar uma cheirinho de bagaço (às vezes uma zurrapa), aos banhistas, para que estes aquecessem Às nove horas começava o banho dos maiores, dos peraltas; a rapaziada, ainda ao tempo enfarpelados, casacos brancos cingidos e sapatos a condizer, lá ia em bandos, pela estradinha de tabuado que galgava os cerca de 600m que separavam a Lomba, do mar. Estradão que tinha sido colocado em 1904, na Lomba, em frente da mota. Ia-se à borda do mar, onde despegadas das famílias mas sempre sob olhar vigilante das progenitoras, lá se encontravam em galreio alegre, as moças, com a fralda revelada, sorrindo e gritos dando, predispostas a recolher as setas do Cupido, que não matam mas alvoroçam, agitam e até amaleitam. Que importa?! Se até o coração em momentos desses, botoca, parecendo soltar-se do peito ferido, e os olhos parecem querer oferecer o que o recato nega. Curtido o olhar era tempo de mudar a farpela por um fato de banho largueirão, com perna e alçado até bem cima, e de se achegar para perto do bando



Banhistas

feminino, onde havia vestidos claros caules simples - donde desabrocham botões de flores de casto perfume. Há corpos virgens - açucenas a entreabrir, para receberem o beijo cálido do sol. Rendas, Gazes, Sedas…caminham para o mar nesta hora magnífica, hora de ambrósia (…) para que aquela carne rósea seja beijada em rodilhões de espuma, assim o expressava um postal de 1925, em «O Ilhavense».
A praia virava jardim, transformada num açafate contendo açucenas a abrir para receber o beijo cálido do sol. Colos de carnes palpitantes que se erguem como lírios brancos. E ombros tão braços e olorosos que lembravam as alvas e embriagantes magnólias
Flores de terra dentro a mergulhar, envolvidas por rodilhões de espuma, davam entrada no mar, aos pulinhos e às risadas, enquanto os olhos gulosos da rapaziada mergulhavam no canistrel transbordante.
Terminado o banho, regressados à urbe, era hora da caldeirada. Ninguém melhor para tal finalidade do que a «ti Tibajouja», mulher sempre na dilairada em volta da trempe, a dar forma, cor e tempero, a uns peixes a nadar num caldo de unto açafrado. Ou para a raia de pitáu da Epifânea, onde a molhanca, uma papa apimentada do azeite avinagrado a ferver os fígados do peixe, a que o alho emprestava um odor penetrante, era vitualha capaz de dar quebranto à larica. A exigir sesta retemperadora em cadeirão de verga, a olhar os longes do Caramulo, antes de um passar pelas brasas, exercício útil para aqueles pagodeiros a quem sobrava dia e faltava noite.


11.4- Jornais Manuscritos

Mas se o estado do mar era ruim d’encantaria e não dava para ir ver sair a rede, o veraneante ainda podia ir até à «coroa» a ver se apanhava um borrelho, antes de se vir refastelar no palhinhas, a se entreter, como era moda, na feitura de jornais manuscritos («O Búzio», «O Berbigão»). Folhas manuscritas de chuchadeira, lacónicas, chistosas, de período curto, cheias de chalaça e arrelia, ou de novidades actualizadas com as últimas do dia (ou da noite anterior), e que passando de mão em mão iam servindo de motivo de conversa aos magotes de circunstantes achegados, alertados pelos risos ou comentários badalados à boa maneira local: em desusada festa, alegre e com espalhafatosa sonoridade, numa alarve e tonitruante vozearia.




O espraiado frente ao Salão Arrais Ançã



11.5- O Bico e a Biarritz

De qualquer modo lá pelas quatro horas era tempo de ir ao Bico, - essa clara banheira de água salgada[2] -




O «Bico»


por onde na altura se alinhavam já umas barraquitas para resguardo do vento ou da canícula. As belezas, ali mais afoitas, chapinhavam alegremente em grupo, parecendo pedir aconchego de braços poderosos, para lhes transmitir segurança no afoito de ir fora de pé. No início dos anos trinta o Bico, um espraiado de areia até ali praia estuante de gozo, enamorada do sol, apaixonada da água e luz…ficou atolada no lodaçal; foi hora de ir mais longe procurar praia, a que se deu o nome pomposo de Biarritz.



11.6- Passeio à «Bruxa»

Ia-se ao banho da ria. Enquanto alguns veraneantes de chapéu e guarda sol aberto se passeavam pela borda de água, de polainas e paletó envergados, a malta nova, mais atrevida, procurava com afã embarcar nos dinghies as beldades para uma ida á bruxa, à vela ou a remos.
Passeio à «Bruxa»


E se não se procurava a «ti Norta» para a cura de qualquer malezinho, procurava-se o jorpigão que tinha o efeito demolidor sobre os corações das moçoilas, tornando-as mais doces, mais participativas aos jogos amorosos, mais abertas ao enlevo, menos ariscas, mais industriosas que ligeiras, mais macias que indinadas, fazendo-se por arte mais fermosas.

Pela tarde era o regresso ainda a tempo de dar um salto à beira-mar para assistir à saída do último arrasto.
Aí a azáfama era grande; no terceiro lanço o saco negro parecia uma baleia encalhada de onde brotavam miríades de reflexos do carapau estreluzindo em estertor, presos no seu interior. Junto aos barracões separava-se o peixe para ser despachado. Os almocreves aguardavam nervosos, ansiosos por apanhar a barca do «ti Ameixa» para, do lado de lá, carregarem os seus burricos com os jigos do peixe prenhes e, toque toque, a tropear velozes, rumavam a «caminhos de Cristo», trepando a esses montes lá para cima, arrebentadinhos em perseguição da alva, levando a sardinha taluda, ainda vivinha, lá para o interior aonde chegará na manhã seguinte, ainda de olho transparente.
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[1] Em 1935 havia cinco banheiros na Costa-Nova: Domingos Agostinho, António Agostinho Portugal, Luís Ferreira, Manuel Pardal e José Portugal. Cada banho com fornecimento de barraca, 4/08/1935

[2] Saguncho & Tainha






























[1] A partir de 1912 com o aparecimento dos «cercos americanos», a Xávega começou a desaparecer do litoral português.

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