sábado, 31 de maio de 2008




200 Anos da Costa-Nova

(Fascículo 16)

Mas o seu aparecimento iria alimentar uma outra polémica, muito referenciada na época, já que o pequeno palacete se viria a tornar, rapidamente, o centro de reunião das elites mais abastadas, a nata da society em gozo de férias, provocando uma certa debandada dos notáveis, das festas da Assembleia, até ali o centro do divertimento que albergava todas as camadas sociais. Para os salões daquela avantajada casa, trespassou-se o sarabandear louco das nádegas mais escorchadas da praia. Por detrás das suas paredes servia-se chá em baixela de filete dourado, V.A, ou vertia-se champanhe francês em taças acristaladas da mesma origem. A norte, no salão Arrais Ançã, aconchegava-se uma mais prosaica pequena burguesia, em diversão mais variada e próxima, mas não menos ruidosa. Eles bebericando um ou outro tinto bairradino por caneco de esmalte, embornalando umas folarengas fatias vindas de Vale d’Ílhavo; elas debruçadas nas limonadas servidas em plebeus púcaros alavários, refresco sempre útil para arrefecer dos jucundos amorosos e a bem suportar o abafadiço do salão.

Mais tarde, no edifício Pinto Basto, viria a ser instalada a Pensão «Astória», gerida por Ana dos Santos Figueiredo, a que seguiu a «Marisqueira», do galego Otero.




Pensão Astória


Empurrados e acantonados lá para o sul, por detrás da casa «Pinto Basto»ali se foram concentrando os palheirões de salga e comércio do peixe, ladeados por uns tugúrios muito simples, muito toscos, uns desconjuntados palheiros distribuídos no areal sem obedecer a qualquer tipo de alinhamento, agregados como se fossem ilhas. Por vezes com uma única porta brochada a óleo e zarcão, e um postigo espreitando no alçado; a deixar entrar luz para o interior, onde na mor das vezes, apenas havia uma cozinha (com uma pedra de 1*1 para a lareira) e um quarto onde se estirava toda a família; quando não agregados em um único espaço onde se consumia toda a vida familiar. Esta simplicidade extrema estava em consonância com a pobreza das famílias que abrigavam, gentes muito simples e humildes sem outras aspirações ou desejos que não os da sobrevivência, vivendo ao sabor da prodigalidade ou da avareza, incertas, da natureza. Pelo areal que rodeava as toscas habitações, estendiam-se, dependuradas a secar, estendais de roupas, suestes e redes, misturadas com raias e cações a crestar ao sol; na borda, podia-se encontrar escaço amontoado, à espera de ser misturado com o moliço que ali se vinha descarregar para tratamento das glebas do sul, que começaram no início do novo século começaram a receber o esforço do homem na tentativa de as tornar terras de pão.


Palheiros a sul


Por detrás do referido edifício «Pinto Basto», no seu resguardo, ficava o fundeadouro, o mar da palha dos chinchorros, e onde um ou outro moliceiro fazia a sua mota de descarrego das ervagens.



Malhada a sul


Mesmo defronte do referido prédio, do lado nascente foi construída uma lingueta, local onde se embarcava o peixe nos «mercantéis»,depois de o lavar.

Lingueta de lavagem e embarque
(cont)

quarta-feira, 28 de maio de 2008






200 Anos da Costa-Nova


(fascículo 15)





Na correnteza que se postava para norte da casa «Pinto Basto», seguindo até ao Bico, e por onde pululavam as tendas de comércio, o aspecto exterior dos alçados dos palheiros, e até a sua divisão interior, eram muito idênticos: na marginal as edificações tinham em norma o rés do chão a que se acedia por uma porta ao centro, ladeada por duas janelas de guilhotina, aos vidrinhos; e um 1º andar (chamado sobrado) com varanda de balaústres ,suspensa, pendurada do beiral e enquadrada por duas janelas, também elas de guilhotina e aos vidrinhos. O beiral saía cerca de um metro da empena, sendo embelezado por cachorros, que mais não eram que o prolongamento das vigas de suporte do telhado, que lhe davam consistência e amparo.Era forrado interiormente por tabuado. Alguns, frontalmente, eram enfeitados com entabulamentos de fino recorte -as grinaldas -


Beiral com as« grinaldas»


que lhes conferiam uma certa individualidade, e graça. O tabuado de capa e camisa, no alçado, dispunha-se na vertical, enquanto nos laterais era disposto horizontalmente, por razões de equilíbrio (travamento) estrutural.




Costa-Nova cerca 1900


Os novos palheiros, inicialmente pousados sobre o areal, sem outra fundação que não fosse uma estacaria verde, cravada na areia e pedra, envolta em sal para não apodrecer, começaram a incluir uma caixa de ventilação com cerca de 0.50 m por debaixo do piso de tabuado.Que era apoiado em vigas de madeira escoradas em fiadas de adobes deitados a servir de fundação,com a finalidade de evitar o apodrecimento rápido do soalho.
De uma maneira geral tinham corredor ao meio, e incluíam cozinha no piso inferior e no sobrado, pois que este era habitualmente alugado a veraneantes[1]. A tendinha das necessidades era exterior, deitando para uma fossa rota.

9-3- As primeiras construções em alvenaria

A primeira construção[2] do agregado urbano, executada em alvenaria a ter uma dimensão exagerada e até um pouco chocante, terá aparecido no final do séc. XIX. Outras se seguiriam, interpondo-se entre os palheiros de tabuado. De entre elas, a mais notável, virá a ser a que, ao sul, se dispunha no sentido nascente-poente e que era pertença de Alberto Pinto Basto.E que, como já referimos, veio substituir o palheirão de salga que naquele local estava implantado com a mesma orientação. A sua posição perpendicular ao aglomerado urbano parecia pretender opor-se a qualquer crescimento da praia ribeirinha, para sul, barrando olhares e até a passagem, pois ali vinha embater o caminho que ligava a Costa-Nova, à Barra (1866) [3]. Construção polémica, só possível pelo ascendente politico do proprietário.

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[1] Em 1936 dava-se conta de que um palheiro era alugado por 600$00 mês.
[2] Numa viagem pela borda em que o Ti Ricoca, na sua bateira, Senhora da Saúde, levava consigo o doutor Moura , partidista (médico de partido) em Ílhavo, e o Sr Mesquita, de Aveiro ,perante a surpresa do doutor à primeira casa de alvenaria, avistada da ria , o Ricoca informou :
-Saiba Vossa senhoria ,senhor doitor ,que o palácio é de um brasileiro deTràz-os-Montes,lá pró pé de Sangalhos…(Dinis Gomes ,in «O Ilhavense» de 4/8/1935)


[3] Após a construção desta estrada surge na Câmara (27.06.1899) uma petição a solicitar a expropriação do palheiro da firma Basto & Comp .para que se abrisse um largo onde se pudessem descarregar tralhas ,lenhas ,colchões etc..O palheiro ficava no final da mesma e teria dado origem ao largo onde mais tarde se construiu o mercado.

domingo, 25 de maio de 2008




200 ANOS DA COSTA-NOVA


(fascículo 14)

Mas para os que estivessem de dentro, e procurassem melhor, havia nela, uma vida em início, já buliçosa, viva. Uma subida à lomba para daí dar um olhar fundo, a observar ainda que de longe, a azáfama das Companhas, era sustento e regalo, interiores. Um bordo até lá ao norte, seguida de uma popada em direcção a sul, a bordejar a ria, com atracação obrigatória na Praça para dois dedos de conversa, era o bastante para um recém-chegado imbricar o desejo de aqui ficar.
Rapidamente a urbe evoluiria.Nos primeiros decénios do séc.XX a distribuição do agregado urbano estava já definido: - à beira ria, com a água a beijar-lhe os pés, alongava-se um cordão de palheiros de madeira já ocupados pelos proprietários com as suas vendas; na lomba começava a surgir um novo pólo de crescimento urbano,




Rua da Boa-Vista


iniciando uma diversificação na tipologia do casario, aqui mais variado, menos monótono que na frente ribeirinha, pois a construção em alvenaria começaria a se generalizar, embora a grande maioria das edificações fosse ainda de madeira, de tabuado.



Boa-Vista.

O início da Bela – Vista. A nascente uma única casa
Todos os palheiros situados à borda tinham um sobrado – normalmente destinado a aluguer – exibindo todos, ou quase todos,o tom ocre do sil (óleo de peixe misturado com zarcão). Mas se atentarmos em fotos do tempo, notamos que alguns já se apresentam em tons claros, algo envergonhados do destoo, mas já expondo o seu tabuado às riscas,brancas e escuras embora não tão vivas como o virão a ser na segunda metade do séc. XX.





Os primeiros palheiros já com cor clara (cerca 1930)


Iriam ser os percursores dos risquinhas que no séc. XX, se viriam a tornar o ex-libris da Praia, exibindo as riscas estereotipadas, em intensos e contrastantes tons de um cromatismo muito forte, muito vivo, muito apelativo a registo de cliché.




Costa -Nova cerca 1910

(cont)

sexta-feira, 23 de maio de 2008









200 ANos da Costa-Nnova




10 - COSTA – NOVA princípio séc. XX (1900-1940)

10-1- Alterações do agregado urbano

Com o início do novo século, e mesmo perante as dificuldades de um país vivendo numa verdadeira turbulência politica, que de negror em negror social levava a augurar uma mudança radical do regime, para breve, o certo é que estava definitivamente adquirido o hábito do gozo campestre, ou o dos banhos, mezinha em moda para tratamento das moléstias dos humores que se iam acumulando ao longo do ano, desde que o bolso do paciente suportasse o dispêndio de tal receituário.
Às vigílias, às noitadas, aos abusos emocionais próprios de um tempo de convulsão onde se discutiam novas ideias que pretendiam -nem sempre com modos cordiais – dar um novo rumo ao País, vinham se juntar aos excessos das tomadas de posição na catrefa de ideologias bebidas e vertidas de um modo apaixonado.Um ror de vezes dentro de salas enfumaradas ou nos clubes, entre jogatina e diversão até altas horas, todo este fervilhar de vida corroía o ânimo, depauperava o sistema nervoso, e enfezava o corpo. O País parecia ser dos tristes, dos ensimesmados, dos cismáticos e choramingas. Nada melhor para mudar esta paisagem humana, que os fazer ir para a praia, a banhos, ou a ares, para o campo.

Ir para o campo e ou aproveitar as águas medicinais, era assim uma das prescrições do tempo; ficava contudo dispendiosa às nossas gentes. Para estas, o ir para a praia e mergulhar nas águas frias do mar, e desse modo encontrar recobro aqui á porta, saía muito mais em conta. E sendo chic! – Dando estatuto de high-life – tinha ainda uma grande vantagem: se o pecúlio não desse para suportar o preço de estadia em uma das muitas pensões que começavam a pulular pela Costa-Nova instaladas nas redondezas da mota da barca da passage, sempre se poderia ir e vir, diariamente, num simples, agradável e muito convivial e galhofeiro passeio, feito em bicicleta -e até a pé –, pela estrada que ligava o centro da Vila à Costa-Nova, num exercício que em si mesmo era já parte integrante do receituário, complemento da mezinha milagreira.







A Costa-Nova (início séc.XX)


Muito embora o ir a banhos fosse, para muitos, apenas um motivo acessório – por vezes simbólico – do tratamento preceituado, o que se pretendia, no ror das vezes, era, afinal e tão só, o divertimento para descontracção do espírito corroído pela cisma. Fosse o do próprio ou de quem com ele compartilhasse da vivência desconstrangida.

A Costa – Nova, em 1900, para os que vinham de fora, desconhecedores do bulício que ia na mesma, tinha, ainda no início do novo século, um aspecto de urbe velha, algo desolador, correnteza de palheiros escuros, sem fundo, sem perspectiva, à beira ria especados, parecendo amparados uns nos outros, encostados beiral com beiral. Valia, pois e só, a paisagem natural.

A Costa.-Nova ,e a 1ª Mota

Dizia o Bispo Trindade Salgueiro, quando vinha para o seu palheiro, o «paquete»:
Tão linda é a Costa – Nova – acampamento ligeiro e garrido, erguido entre o céu e o azul do mar, o azul da ria, o azul do céu.


(cont)

quarta-feira, 21 de maio de 2008






200 ANOS DA COSTA-NOVA
(Fascículo12)

9-RETRATO (Final século XIX)


Em meados do século não havia, ainda então, qualquer arruamento digno desse nome, que desse um carácter urbano ao aglomerado de construções. Existia tão só um simples carreiro que contornava a enseada, e que era um pouco mais consistente que os areais que o rodeavam, a se interpor entre os palheiros das tendas e para veraneantes, e a ria. Carreiro que nas marés vivas era totalmente submergido, mas que apesar disso definia, ainda que toscamente, uma linha de crescimento, mais ou respeitada, pois era ao longo dele que as habitações se iam alinhando.
Quando chegada a lua plena, a água roçava e até batia nos degraus dos palheiros, que empoleirados na duna se julgavam longe da invasão da maré. Nivelado o trilho, como as habitações tivessem sido construídos em cima das lombas do areal, ao sabor da forma destas, deu-se que uns estariam mais abaixo, e outros mais acima. Daí a necessidade de se construírem terraços -que ainda hoje perduram! - a diferentes níveis, com a finalidade de dar acesso, dos palheiros ao caminho público.

Em 1873, João Maria Garcia abriria uma sala de teatro para entretenimento dos veraneantes, o que no tempo estava muito em moda[1]. Na sessão de apresentação toda a high life da praia compareceu, fazendo deste acto o primeiro dos muitos que se iriam seguir, na intenção de criar uma motivação que excedesse o simples ócio, transformando estas zonas de lazer em locais privilegiados para a promoção das preocupações culturais -e recreativas – que começavam a emergir ao tempo.

Muitos outros botequins foram abrindo as suas portas. Debruçados sobre a laguna, serviam de locais por onde se ocupava o lazer no intervalo das banhocas,a mirar as deambulações ronceiras dos moliceiros que enfeitados com as cores vivas dos seus ramalhetes, deslizavam sobre as águas da ria, que de tão mansas, reflectiam, qual espelho, a paleta de cores que exibiam no seu costado ,ao olhar do observador fascinado. E a voz de comando do «vai à forcada»,dada pelo arrais ao moço, parecia ganhar eco no ar leve, do dia reslumbrante.


8-2 –Capela S.Pedro


Enquanto uns se divertiam, outros davam expressão ao sentimento de fé, muito intenso na classe piscatória, necessário para submissão a destino tão agro. Por isso o pescador tinha uma prática, quase diária, nesse exercício devoto.
Assim que varavam e se alapavam no novo pousio de pesca, a sua primeira preocupação, depois de instalados, era a da construção de uma pequena Capela de madeira, feita em tabuado surripiado nas redondezas, e coberta a caniço. Palheiro acachapado, tão exíguo que mais parecia apropriado para lá meter o «Menino e a Família» , do que albergue para S.Pedro e seus devotos, que o eram toda aquela gente das Companhas; e logo mais uns achegados, convidados pelo hausto da maresia a evocar protecção e boas pescarias para o grupo. Na Costa-Nova terá sido o frade «jerónimo», Frei Pachão, quem, em 1822, ergueu uma dessas capelinhas,





Srª Saúde 1907


que embora tosca, serviria para deixar o santinho e os crentes ao abrigo do fustigo da nortada , o suficiente para emblecar aquela gente no cascabulho das palavras da fé ditadas pelas matinas em sermonário diário, tonitruante e ameaçador, para lembrar que a protecção deveria ter tornas adequadas, na largueza do dízimo. Ainda o sol se não erguera e já a sineta bimbalhava, estridula, a chamada à oração de toda a Companha, que em cordão humano marcava presença, a fortalecer o lume vivo da crença..
Só mais tarde, em 28 de Outubro de 1889, foi decidido construir no areal, ali logo abaixo da «Lomba» ,em situação estrategicamente escolhida para servir pescadores e veraneantes ,«a capelinha branca» de culto à Nª. Sr.ª da Saúde ,com compostura e dimensão, suficientes, para o tagaté à alma, em serena cruzada evangélica..




Pedido para alargamento Capela da Srª da Saúde(1899)


No sentido nascente –poente, já o referimos anteriormente, não havia, até ao séc.XX, qualquer arruamento digno desse nome. Pretendendo aceder à corcova da lomba, para de lá se observar a paisagem, era preciso subir ladeiros, pequenas e tortuosas congostas de chão de areia lassa, sujas pelo escasso, cheirosas do pez vertido, enfeitadas por peixotas dos cações ou de raias estripadas postas a torrarem ao sol, para gáudio de um ou outro pardalito que nelas depenicavam, esfomeados e glutões.
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[1] Almeida Garret já os referia em 1843,a trabalharem no areal da Póvoa do Varzim. AMORIM ,Sandra in «Vencer o mar;ganhar a terra» ed. Câmara Municipal da Póvoa do Varzim.

domingo, 18 de maio de 2008












200 ANOS DA COSTA-NOVA
(fascículo 11)




8- A PRESENÇA DE JOSÉ ESTÊVÃO

José Estêvão tinha uma predilecção muito especial por esta praia para onde vinha descansar da sua tumultuosa actividade parlamentar. E era no recolhimento do seu quarto que sentia entrar a brisa fresca do norte e lhe chegava o sussurro do mar que rebentava e espraiava de encontro às dunas da costa[1] ; aí recuperava forças ânimo, e lastro, para a palavra: - fluente, corajosa, firme e torrencial de tribuno insigne – o maior! - da história pátria. Que hoje ainda, o recorda, enaltece e contempla.
José Estêvão passava aqui, regularmente, largas temporadas na companhia de sua esposa, D. Rita Moura Miranda, para quem teria comprado (1840) o palheiro que fora pertença do comerciante Manuel Marinho, mercantil de sardinha, rico proprietário que em Aveiro tinha uma outra mansão, mais tarde pertencente aos «Rebochos».




O Tribuno tinha o hábito de receber no seu palheiro,no qual depois de o adquirir introduzira umas simples melhorias, muitos dos seus amigos, de entre eles figuras gradas da política e das letras, locais e nacionais.
Seroavam habitualmente e familiarmente consigo, os Mourões, os Alcoforados ,os Visconde de Almeidinha ,o Arcebispo Bilhano , o José Ferreira, os Pinto Basto, os Regalas e muitos outros. Vindos de Lisboa para o visitar, estiveram na sua casa muitos dos seus amigos e correligionários: Mendes Leite, Freitas de Oliveira, Sebastião Lima,Agostinho Pinheiro, que por aqui demoraram para com desfrutarem com José Estevão das habituais visitas diárias às companhas da xávega ,cujos arrais o politico conhecia pelos nomes próprios(ou alcunhas),e a quem, tantas vezes, concederia auxilio. Fosse simples amparo humano nos momentos de infortúnio -que nesta labuta eram vulgares -, fosse político, intercedendo junto da Governo e até da Coroa, para obter os costumados privilégios que habitualmente eram choramingados -e concedidos -a esta gente ; ou ajuda como brilhante advogado, não desdenhando envergar a toga e ir à barra dos tribunais com a sua brilhante oratória, defender estas humildes gentes, sempre que se sentiam espoliadas dos seus direitos.


Frequentemente o tribuno embarcava para as terras da Joana Maluca de quem era muito próximo, para a visitar.Com ele levava os seus convidados, que Joana recebia, com muita apreço e a alegria de uma boa, esmerada e briosa anfitriã. Singular mulher, de forte arcabouço, faladura varonil desembaraçada, muito expressiva, verdadeira matriarca da Gafanha da Encarnação, Joana fazia gala em bem receber o político e seus amigos, organizando para o efeito opíparas jantaradas. Findas as vitualhas, era costume refastelarem-se nas espreguiçadeiras colocadas sob o vasto telheiro da quintarola dos Gramata, entretidos na conversa enquanto saboreavam longos charutos de que Joana era, estimável e insaciável, fumadora. Chalaceavam, ao tempo em que deixavam correr o olhar contemplando a ria a agasalhar-se num imenso cobertor de neblina rasteira, enquanto o sol ,enorme disco de fogo, se esgueirava em fim de tarde por detrás dos palheirinhos, na outra banda, desenhando-lhes os contornos no vermelhão afogueado que ia tingindo o céu. E logo surgia a lua por detrás das serranias a esparramar o prateado sobre a ria, reflectido nas tainhas que em saltos encabritados se atiravam, imolando-se, contra os saltadores. Estas armadilhas montadas pelos pescadores ribeirinhos tinham a forma de caracol, para onde as taínhas entravam ,mas já não saíam.





Findo o dia, era tempo de desmoirar a barca para, bem dispostos e faladores, bem aconchegados, voltarem à Costa-Nova, para se recolherem ao conforto do palheiro do anfitrião, em retempero das fadigas da jorna gastronómica.

Destas presenças e andanças, destas incursões marialvas, faziam de «búzio» os jornais e revistas da época, locais e nacionais. A Costa-Nova começaria em meados do séc. XIX a ter estatuto, sendo referenciada pelo charme e autenticidade, e rusticidade do perfil humano que lhe dava vida, elogiada pela bondade da sua natureza geográfica encravada entre uma ria povoada por centenas de embarcações com longos pentes amarrados á borda, a catá-la, à procura de moliço, e o mar. Onde na borda os bois investiam por ele adentro, penetrando-o até a água lhes fustigar o ventre, participando activamente na faina piscatória a conferir um tom de ruralidade ao areal inerte.
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[1] Magalhães ,Luís in «José Estêvão- Discursos Parlamentares», ed. Câmara Municipal de Aveiro

quinta-feira, 15 de maio de 2008








200ANOS DA COSTA-NOVA

(Fascículo10)
(...)

Por cima da «loja» havia um celeiro de palha extreme, amplo dormitório comunitário para servir de albergue em noites de descambada invernia, daquelas em que mais parece que todas as guerras deste mundo emigraram lá para cima,e mais acautelado será a um pobre passante, interromper jorna e esperar que os santos se ponham de acordo.. Noites em que o troar dos canhões é substituído pelo ribombar infernal do entrechoque das negras e convulsas nuvens, em escarapela, atiradas umas contra as outras pela trabuzana desarcada. Noites em que o céu se escarcalha, deixando passar em jorro as bátegas de água, que batidas pelo vento fustigam o viandante desprevenido, sem tempo para se espirar e acolher, a tecto condigno.
Mais aconselhado era ficar com um caldinho de feijocas que a Ti Norta, boa apousante, fornecia a troco de umas bilhas de azeite lá da serra, ou de um fumeiro emprazado, bem regado, finado com um mata bicho de rija e agreste cachaça, daquela que entibece o espírito e o liberta das agruras da vida, em preparo do corpo para uma ressega noitada.
.
Mais tarde se chamaria a esta venda ,«A Bruxa» .Adiante contaremos porquê.


7- PRIMEIRO AGREGADO URBANO

O agregado urbano assumiu desde o início a sua característica notória, ao desenhar-se como uma linha de palheiros debruçados sobre a concha que a ria ali tinha feito, dispostos na sua borda, numa correnteza. de casebres sombrios, monótonos na cor e nas formas, construídos ao sabor dos altos e baixos das dunas, dispostos para norte e para sul da mota da barcas da carreira. (que até 1932 se situou frente, ao hoje, café Atlântida). Toda a actividade piscatória foi, por via desse desenvolvimento, afugentada, empuxada lá para o sul, para detrás de uma moradia (que fez história) edificada como se fosse o fim da linha, uma das primeiras casas a ser construída em alvenaria, no povoado. Tratava-se de uma mansão de grande dimensão para a época, onde vinha esbarrar a ligação Barra- Costa Nova, servindo-lhe como que de paredão.( que como dissemos atrás, foi construída na segunda metade do século XIX) .



Casa «Pinto Basto»


Aberto o arruamento, logo se percebeu –e reclamou -, a necessidade de ser criado um espaço para descarrego das tralhas (pipos ,lenha ,redes etc),que permitisse o dar volta às carroças que começaram, depois da sua construção, a servir de alternativa ás barcas, até ali a única maneira de fazer chegar o necessário e indispensável, à Costa -Nova . A Câmara de Ílhavo então presidida pelo Dr António Cerveira, para esse efeito, levou a cabo a expropriação litigiosa[1] de um palheirão em ruínas da firma Bastos & Bastos, pertencente à Companha da Srªda Saúde, libertando desse modo um espaço amplo, desimpedido, que mais tarde(1933) viria a ser escolhido para a implantação do mercado da Praia ( que aí se fixaria até aos finais do século XX.)

O «Palheirão» que antecedeu a «Casa Pinto Basto»

A primeira ligação da beira da ria, em direcção do mar, foi posibilitada, a sul, com a expropriação de uns terrenos à sr.ª Pauseira, permitindo o acesso à Lomba, e dali às Companhas.

Até princípios do séc. XX não existiria em todo o aglomerado urbano, qualquer tipo de iluminação pública, nocturna[2]. De noite eram os clarões das fogueiras às portas dos palheiros e ou a mortiça e bruxuleante luz vinda do interior, dos candeeiros a tremeluzir ,que indiciavam a existência de vida no aglomerado urbano.A benfeitoria da luz a querosene só viria a acontecer na segunda década do referido século, como referiremos adiante.

Os primeiros candeeiros na Costa-Nova(1926)

A água doce, essencial à urbe, era retirada de poços, abertos na areia. A uma determinada profundidade era fácil, dada a capacidade filtrante da areia, obtê-la em condições satisfatórias, quer em qualidade quer em quantidade.


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[1] Em 10.5.1899 o povo de Ílhavo foi convocado pela C.M.I, para decidir sobre a expropriação

[2] Em 1935 foi autorizado o prolongamento da linha de alta tensão ,que passando à Barra, alimentava a Costa-Nova. Anteriormente, a partir de 1926,tinham sido instalados candeeiros a querosene


Nota : é proibida a reprodução, total ou parcial do conteúdo acima,sem autorização expressa

domingo, 11 de maio de 2008




200 ANOS DA COSTA-NOVA
(Fascículo 9)

A primeira das ligações referidas só foi possível, graças à intervenção política de José Estêvão.
Em paga desses relevantes serviços, a C. M. I. concederia em 1860, por aforamento, a José Estêvão, todo o areal que ia da Costa-Nova à Barra, compreendido entre o mar e a ria
[1]




Mapa de 1902 onde se pode apreciar o traçado do «Caminho Velho» e a «nova ligação ao Farol».

A segunda daquelas estradas, iniciada em 1893, passaria por diversas dificuldades, arrastando-se a sua conclusão durante alguns anos. Tomada a decisão de avançar com a ligação, logo que foi construída na Gafanha de Aquém a ponte de Juncal Ancho (1865)- também esta por influência de José Estêvão
[2]-a estrada seguiu um percurso praticamente paralelo ao caminho pedonal, até ai existente, vindo a situar-se um pouco a norte daquele. A construção foi interrompida em 1895, quando da anexação de Ílhavo, por Aveiro. Durante o referido período, praticamente nada foi construído (para além de uns escassos 1.200m).
E será em 1898, pós desanexação, que a C.M.I. por proposta do Dr. Moura[3], decidiu contrair um empréstimo[4] no valor de 1.400$000 réis para a terminar, tal era o entendimento que se tinha da sua importância, e por isso a urgência em a construir. Os direitos da passagem da barca que se calculavam poderem vir a atingir os 400$000/500$000 réis, eram - entendia o proponente -, suficientes para a amortização do empréstimo.
E ainda suficientes para acorrer a um ou outro melhoramento (mercado, início de arruamentos, etc) de que havia necessidade, e era urgente iniciar, conferindo ao agregado um principio de textura urbana, pois que para lá dos palheiros, nada mais existia,pese embora que o mesmo estava a crescer em ritmo acelerado. Em 1900 a ligação ficaria pronta..

E tornar-se-ia uma levada por onde diariamente corria em magotes, uma gentana.
Ainda o sol não despertara lá para as bandas da serra, e já um povoléu de pescadores ,pescadeiras ,moços e ajudantes se metia ao caminho em alegre palanfrório, a galrichar, percorrendo a passo miúdo, saltitante e lépido, a légua que lhes permitia embarcar na passagem para a outra banda.
De tarde, ou já noite no regresso se a maré botava tardia, em grupo ou isolados, desfilava todo um ror de afadigados e pressurosos passantes que se misturava na estrada, par a par, com a correnteza de apressados jericos. Que seguiam derreados, com os alforges e canastros a abarrotar de sardinha ainda vivinha, que até parecia desejosa de ouvir elogios quando chegada à mesa dos desquebrados beirões, ávidos de tão ditosa e paladosa vitualha.
Era tal o movimento de pessoas e animais, e incertos os horários, que desde logo se percebeu da necessidade de abrir balcão, ali no final da estrada, nas imediações da mota da barca da passagem, para dessedentar os viandantes e lhes aconchegar os estômagos mais esgalfos com um caldo de conduto, ou com um escabeche, em reparo urgente. E com esse acomodamento libertá-los dos maus humores, conferindo-lhes apetite para a dureza da jorna, apenas interrompida num breve espaço de tempo, o estritamente suficiente para recobro do ânimo capaz de se atirar ao estirão que se seguiria.
Ao lado da tasca abriu portas, também, uma «loja», para descanso e refastelamento dos rucilhos, esfalfados com o trotear das esguelhadas veredas serranas, concedendo-lhes tempo de repouso para o exercício superior da arte de asnear, pois que sendo burros, não o eram tanto que não sentissem no corpo - e quem sabe se na alma! - quão dura era esta vida de sardinheiro, para cá e para lá num desaforo a jornadear por terras serranas esquarrosas, sem tempo para se ajeitarem com as suas burricas, que deixadas lá na serra em trabalhos menos esfalfantes, folgadas do corpo e do vício, estavam prontas a recebê-los de «pernas abertas» (aqui, mais tersa não pode ser a imagem).
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[1] No doc do Anexo 9, pp479 do «Ensaio Monográfico de Ílhavo-sécX-séc.XX», é transcrito este aforamento.
[2] Chegou a ser questionada –e objecto de polémica –a questão de saber se a influência teria sido de José Estêvão ou de Manuel Firmino.
[3] Médico de Partido em Ílhavo
[4] Este empréstimo foi feito pelo Dr Manuel da Rocha Madail, a uma taxa de 5%.
(Cont)

quinta-feira, 8 de maio de 2008






200 ANOS DA COSTA-NOVA







(fascículo 8)


Palheiro "referido" como de José Estevão

negociante de peixe, de Viseu. A norte desta apenas existia o palheiro do Padre José Bernardo de Sousa. Outros palheiros começaram, entretanto, a alapar-se por ali à volta: foi o caso do de Manuel da Maia Vieira, Capitão Mor, chefe das Ordenanças e Juiz Ordinário de Ílhavo,do de José Ferreira Félix, Sargento Mor, Tenente das Milícias e Vereador da Câmara de Ílhavo, do de José Gomes dos Santos, o «Rigueira», feitor do Capitão Mor e o de João de Azevedo Júnior, feitor do Sargento Mor. Neste primeiro agregado o situado mais a sul era o referido, pertença de Manuel Marinho, limitando o núcleo fundador, que se dispersava todo para norte.

Inicialmente os primeiros banhistas – começados a chegar a partir de 1822 -, ocuparam os pisos de areia dos palheiros de salga, cobrindo-os com esteiras onde alinhavam as trouxas, por ali pernoitando depois de terminada a lufa-lufa da entrega do peixe, finda a azáfama do dia..

A vinda a banhos, prática que a Realeza inspirara, tornara-se moda nos meados do séc. XIX, fazendo acorrer à beira mar uma burguesia com posses e tempo, suficientes, para se entregar à prática de lazer, e à recolha das virtudes que se descobriam existir no mergulho nas águas frias do oceano. Parece terem sido os clérigos, quem aqui, na Costa –Nova, inauguraram o novo hábito, procurando a praia para revigorar o corpo - antes que a alma se «fosse»…-escoando os dias nas brequefestas dos panelos da caldeirada bem regada por néctar bairradino, longe do esparto do serviço espiritual.


6- INTEGRAÇÃO NO CONCELHO DE ÍLHAVO

A praia irá progredir e crescer. De ano para ano atrairá um sempre maior número de banhistas que se vem misturar à azáfama das Companhas. Administrativamente, o local, foi finalmente integrado no Concelho de Ílhavo, por decreto de 24 de Outubro de 1855
[1] ; e por portaria de 10 Setembro de 1856 passou à jurisdição espiritual da Freguesia de S. Salvador, Ílhavo.



7-ESTRADAS: COSTA NOVA-AVEIRO e ÍLHAVO-COSTA NOVA

Dos factores que maior importância viria a ter no desenvolvimento da Costa-Nova, sobressaiem as ligações rodoviárias que se estabeleceram; primeiro com Aveiro (1855) através da ponte no Forte da Barra (1861)
[2] e da Cambeia (1865), e posteriormente, a ligação de Ílhavo à Mota da Srª da Maluca (1900).


Ponte das duas águas


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[1] Esta ponte ,também conhecida por «Ponte das Duas Águas» ,foi de novo construída em madeira ,em 1934
[2] Decreto de Rodrigo da Fonseca Magalhães e Frederico Guilherme da Silva Ferreira, respectivamente Ministro do Reino e da Justiça, do Ministério Regenerador.

domingo, 4 de maio de 2008












200 Anos da COSTA -NOVA




(Fascículo 7)





Mas aquela vinda á borda teve outro efeito. Inicialmente estes rústicos vieram com os animais, servindo-lhes de tocadores, aproveitando os intervalos da lavra. Mas depois, quando o pessoal começou a ser escasso na Companha, o lavrador -gafanhão não hesitou em dar o braço ao remo do meia-lua, saltando-lhe para o bojo, fincando bem os pés nas recoveiras[1], aventurando-se com ele mar adentro. Primeiro,sem ainda lhe apanhar o jeito, atirou-se ao cambão[2].Mas logo percebendo que remar é tão só como afundar o enxadão no ventre da areia e logo o levantar para o voltar a enterrar uns passos a vante, foi rápido em se adaptar ao punho do remo maião[3], e mais tarde, até, em cadenciar a saída do ressoeiro,à falta de outros maiores,que tinham ido para outras paragens.



«ílhavos» no Tejo




Porque em verdade, em fins de 800[4], já os «ílhavos» teriam, de há muito, iniciado a migração pelo litoral abaixo[5] em busca de novas paragens, embarcados numa verdadeira aventura mitológica, produto da irrequietude daquelas gentes, atitude que lhes era peculiar e os levaria a escrever páginas de uma história singular- e até grandiosa!-, de uma migração interna que tem,ainda hoje, lugar de relevo na história sociológica do nosso País. Com eles levaram bem aferrados os hábitos, costumes,[6] e até os tiques culturais e religiosos, resistindo a uma aculturação exterior, preservando-os ciosamente durante muito tempo o que levaria a que justificassem referência, especifica e proeminente, no historial das regiões por onde assentaram arraiais.


5- ENCLAVE

«Arribados» à praia, em local um pouco mais a norte onde um século mais tarde se instalaria a que foi chamada, «Quinta do Cravo», posta a notícia a circular, correndo a boa nova mais rápida do que o vento, logo novos grupos de pescadores se virão juntar aos que primeiro ali tinham desembarcado; num curtíssimo lapso de tempo, Luís Barreto - ou Luís da «Bernarda»-terá por camaradas a Companha do Salvador, do arrais José Fernandes Batata ; a Companha dos Capotes, do Arrais Marçalo Francisco Capote, e a Companha do Galo, do Arrais Manuel Fernandes Bagão. Em S.Jacinto só ficaram as Companhas, da Enxada e a da Canária.





A Xávega

No total, logo cerca de um milhar de deslocados procuram pousio, para si e para a tralha das artes, no areal deserto em frente à Maluca, na lingueta que o mar tinha engordado e o vento consolidara.
Desde logo se iniciaram os trabalhos de construção dos armazéns para guarda dos apetrechos de pesca e pernoita dos pescadores. Por entre as dunas onde despontavam os braços verdes e túmidos do «chorão» a rodear a flor amarela, ou uns simples e acinzentados carneirinhos perfumados, em local mais achegado à beira da ria, começaram a surgir, para sul, uns pequenos palheiros.
Tratava-se de simples tugúrios que mais pareciam vindos da origem do mundo, pardieiros que pouco mais abrigavam que a corcova da duna do areal. Nas noites arrastadiças de invernia o zunzunar do vento a entrar pelas frinchas, fazia tilintar os canecos de esmalte pendurados no padial da lareira. Aqui e ali, despontavam outros palheiros, mas de maior dimensão, para onde se levaram os tanques e as «dornas» para a salga do peixe. O negócio da venda e distribuição deste pertencia a gentes de Aveiro e de Águeda (e interior), mercantis[7] que «geriam» os grupos de «almocreves», verdadeiras companhias de transporte e distribuição, a quem era remetida a tarefa de fazer chegar o peixe, lá para o interior do país, para as beiras profundas. O peixe do último lanço da tarde era lavado e escorchado, para, ao outro dia de manhã ser vendido em Águeda, Viseu, Tondela,etc.
Junto das Companhas, José Luís Barreto- o patriarca da Costa-Nova tornado negociante de peixe, mas e também importador de sardinha de Lisboa, e que mais tarde abriria negócio de aprestos de pesca, em Aveiro - montaria o seu «palheiro» [8], ali ao lado, a norte, do local onde hoje se situa a «casa referida como de José Estêvão» [9], anteriormente propriedade de Manuel de Moura Marinho[10],
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[1] Pranchas aonde os remadores de pé fazem apoio.
[2] Cabo fixado ao remo, à sua proa, que permite ajudar a impulsioná-lo
[3] No meia-lua de 4 remos ,o maião é o segundo remo a contar da proa ,e o que requer mais força
[4] E até em 1771 são já presentes na Costa da Caparica os arrais de Ílhavo, Joaquim Pedro e José Rapaz, iniciadores do povoamento da Caparica.
[5] No «Periódico dos Pobres», Porto de 1855,referia-se em meados do séc.XX ,a ida de uma grande quantidade de pescadores de Ovar e Ílhavo, para Lisboa ,acabada a safra no litoral. E no «Campeão de Aveiro», noticiava-se que quase todos os pescadores de Ovar e Ílhavo, têm ido para Lisboa.
[6] “..a vida ,é toda a vida intensa dos pescadores do Norte, transportada para este rincão do sul ;nele se reproduzem os costumes ,todos os processos de pesca daquela região» -FERREIRA, Manuel de Agro in «Costa da Caparica-Terra de Pescadores»
[7] Também chamados mercantéis
[8] Termo que deriva do facto de estes incipientes abrigos, serem, inicialmente, cobertos de junco
[9] Ver Anexo 9
[10] CUNHA, Cons José Ferreira-Subsídios para a História da Ílhavo ,Gafanha e Costa-Nova










quinta-feira, 1 de maio de 2008






200 Anos da Costa-Nova

(fasciculo 6)

Rapidamente muitos dos pescadores -por falta de afoiteza, ou por gosto individualista, ou ainda pela idade -, voltaram-se para a ria, que se mostrou ,de novo e logo que permitida a renovação das suas águas, farta e rica em espécies .Em 1900 são (já) registadas capturas levadas a efeito na ria, que ascendem a três milhões, seiscentos e sessenta e cinco, seiscentos e sessenta e seis réis. Curioso é que desde logo, a apanha de bivalves concorreu com importante fatia para o referido valor, oficialmente (!) registado (porque já então a fuga ao imposto sobre o pescado era prática habitual, que nascia e crescia com estas gentes, muito facilitada pelas condições de laboração).





Foi Manuel Firmino quem experimentou, em S. Jacinto, nas suas companhas, o puxar pela soga os soberbos animais, atando-os pelo chicote ao cabo do alar de redes, retirando ao homem essa tarefa extenuante[1]. Desde logo a experiência foi positiva. Os animais habituados a entesteferrar com o areão, foram capazes de entrar mar adentro até ao joelho, parecendo não entojar com a vaga Até ali, a rede era puxada por pessoal contratado para o efeito que se vinha juntar ao pessoal que tinha ido ao mar, num arraial de gentes em vozearia de trovejo, a alar a rede, num arrastar sofrido. A um cinto (?) largueirão que envergavam à cinta e cingido por alças, era fixa uma ponta de cabo- o chicote - que ia enlaçar por detrás, ora no rossoeiro ora no cabo da mão. Dobrados ao esforço, lá iam duna acima, duna abaixo, até depositarem a sacada no areal. Era um trabalho fatigante, sofrido e muito demorado. Por isso se revelaria muito positiva a experiência de levar os bois á beira-mar para o desempenho de tal tarefa, aplanando o fardo de tão exaustiva faina.


Na Costa-Nova, concedida a facilidade em levar os animais ás Companhas, e porque das galefenhas era fácil carrear alimento – ali farto - para os manter em abegoarias a descansar entre lanços , a sua utilização foi praticamente imediata à instalação das companhas, logo que varadas nesta zona do litoral .Para recolher os animais construíram-se na beira-mar grandes barracões, suficientemente espaçosos para os albergar, mas e também para enceleirar pastagem para seu sustento.

A chegada de bois conduzidos pelos rústicos lavradores, à borda do mar, veio dar um tom de ruralização ao areal, como aliás o notou e expressou Miguel Unamuno, quando por aqui passou e registou a ardego nas suas «Viagens por Portugal».O lavrador deixou-se cativar por aqueles terrenos -o mar - onde se colhe sem ser preciso semear. Revolvidas as areias, esquentado o seu interior pelo escasso, depositada a semente, havia tempo para esperar que o pão medrasse. O chamamento à borda foi irrecusável, e muitos viram no mar, o complemento para engorda do magro pecúlio familiar, pretensão que perseguiam desde que os seus ancestrais tinham vindo lá das gândaras, determinados a construírem uma nova terra da oportunidade. O rústico, habituado a dar fundura ao rego, a fazê-lo e a refazê-lo, a recompô-lo sempre que necessário, ganhou coragem de ir lavrar o mar, mas agora sem o arado, acorrendo com bois à faina, na esperança de juntar um pouco mais ao rendimento magro da leira que tinha deixado entregue aos cuidados da mulher.
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[1] Este alar ocupava pescadores ,mulheres, e até crianças ,que ao compasso do rufar compassado do tambor, iam puxando (alando) a rede para fora do mar.