sexta-feira, 18 de abril de 2008

200 Anos da Costa -Nova







(fascículo 3)



Mas o que esta arte teve de singular nesta zona de mar desabrigado e por isso de vaga farta, foi a utilização para a sua prática de uma singular e desafiadora embarcação –o «Meia-Lua»- ,concepção da arte naval lagunar que tinha as suas raízes numa prática antiquíssima[1],e que desde muito cedo se soube distinguir pela soberba e genial adequação dos barcos, saídos do seu saber, à especificidade do meio onde labutavam. E do fim pretendido : no caso do xávega , o de ser suficientemente possante para galgar a pancada do mar, e levar a pesada rede até pousio bem longe da costa (cerca de 2 milhas).E o de ser «atrevido» para se atirar ao mar que em farfalho repetido corre para a praia, subindo e tombando na rebentação, saltando de vaga em vaga ,entre a exaltação e clamor dos que nele vão embarcados, a que se junta o tumulto dos que ficam na praia a olhá-lo ,temerosos, do feito.
fig 4 -A arte de Xávega

A Xávega era (e é, porque ainda hoje é praticada) uma arte do tipo varredoura, advindo esta tipologia do modo como a rede arrasta pelo fundo plano da plataforma costeira (por efeito das pandas[2],fixadas no prume [3]),levando a bocada do saco aberta para a entrada do cardume de peixe, por efeito do levantamento da sua parte superior, corche ,onde se fixa a cortiçada[4].

Provavelmente este tipo de arte terá sido utilizada desde tempos muito remotos em outros pontos do país; pelo menos em 1443 temos conhecimento da palavra enxauega.
[5]

Sabemos que este tipo de pesca foi trazido no reinado de FilipeII, da Catalunha para a Galiza, dada a abundância da sardinha constatada existir na costa noroeste da Península. E daí, trazida como referimos, para a costa de Aveiro, no séc.XVIII.

A crise instalada na laguna vinha já dos fins do século XVII, consequência do facto das águas se verem impossibilitadas de renovação por mau posicionamento da ligação ao mar.
[6] Situada muito a sul, tornava o canal muito longo, inviabilizando o efeito das marés que só se fazia sentir muito próximo da abertura, sendo praticamente nulo no interior da ria. No Inverno, os caudais engrossados dos rios não tinham escoamento, provocando uma diminuição drástica da salinidade das águas. No Verão, perante continuados assoreamentos das línguas de areia, o efeito era muito idêntico. Em todas as circunstâncias as águas apodreciam no interior lagunar.
Esta estagnação de águas levou ao seu inquinamento, com a consequente destruição de toda a fauna piscícola; inclusivamente destruiu toda a produção de moliços, e até, acabou com a produção do sal, pois que este não só era fraco na qualidade (sal negro), como, mesmo o que era produzido
[7] era-o em muito baixa quantidade, derivado da impossibilidade de se conseguirem índices de salsugem adequados para a sua produção.

Os tempos foram, então, de miséria e de morte; pestilências propagaram-se às populações, cobrindo de luto a região lagunar, dizimando-as, elegendo as suas vitimas de entre os mais novos e os mais velhos, sem que a saúde publica conseguisse fazer, fosse o que fosse, para estancar as pandemias, para lá de umas tímidas recomendações de higiene, impossíveis de cumprir dadas as condições primárias de habitação e vivência destas gentes.
Não se colocou outra alternativa ao homem da laguna, pescador ou não pescador, que a de saltar com os seus bateirões para a beira do mar, para aí se dedicar às artes, utilizando o chinchorro, pequena rede varredoura já utilizada nas águas interiores, que apenas poderia ser utilizada no dobrar da pancada do mar, limitada que estava a sua utilização pela pequena posse das embarcações utilizadas na faina: - as«ílhavas» e os «chinchorros». Nesse período em que se pescou com o «chinchorro», a rede de pequena dimensão era puxada para terra, ligando o reçoeiro (rossoeiro) e o cabo de mão da barca ao cinto dos pescadores, que lenta e penosamente, num esforço desarcado, a iam fazendo subir até a pousar no areal


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[1] Aveiro armou caravelas e barcas para a expedição a Ceuta.
[2] Pandas eram pequenas malhas cerâmicas, feitas de barro, com cerca de oito centímetros de diâmetro, tendo dois furos para a sua fixação à rede. Mais tarde substituídas pelas chumbadas
[3] Parte inferior da bocada do saco
[4] Cortiçada,assim era designado o conjunto de peças de cortiça, de forma trapezoidal, fixadas na tralha superior, produzindo o efeito de abertura (bocada) do saco da rede.
[5] Determinação para o apuramento dos mareantes para a vintena do mar em vários lugares, entre os quais Aveiro e Verdemilho - in, Colectânea de Documentos Históricos «Milenário de Aveiro» ,pp189
[6] A ideia que deu origem ao actual posicionamento da Barra ,era a de que a mesma não deveria situar-se para baixo do paralelo das gafanhas.
[7] Salsugem era o grau salino da água da laguna. Para uma boa produção deveria situar-se nos 25º.
(cont)

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